A importância de quantificar custos com incidentes e acidentes
É do conhecimento geral que incidentes e acidentes devem ser evitados e que representam custos significativos às empresas. Porém, sempre há a dificuldade de quantificar estes valores. As empresas sempre contam com diversas medidas de contingência e ineficiências sistêmicas que acabam por mascarar e mesmo esconder os custos destes eventos.
Ainda que seja moralmente condenável e politicamente incorreto posicionar-se contra a prevenção de incidentes e acidentes – ao se colocar limites aos recursos destinados à prevenção, por exemplo – a necessidade da quantificação é real, pois os recursos financeiros disponíveis às empresas são limitados e devem ser investidos com sabedoria e de forma adequada.
Através da aplicação de uma metodologia padronizada para o cálculo dos gastos em incidentes e acidentes, fica mais fácil demonstrar à alta gestão da empresa, com fatos e dados, os impactos financeiros devidos a ocorrência de incidentes e acidentes. Desta forma dá-se a oportunidade de que os investimentos em prevenção sejam vistos de forma objetiva.
Custos reais de incidentes e acidentes
Existe muita controvérsia sobre o assunto “custo de acidentes” pois existem diversos interesses envolvidos: pagamento de seguros, influência de sindicatos, coleta de taxas e impostos, prejuízo ou preservação da imagem das empresas e interesses pessoais dos funcionários envolvidos. Todos estes interesses são válidos, legítimos e não serão abordados neste artigo.
Os custos sociais de acidentes, particularmente controversos, são bem abordados através do SAT – Seguro Acidente de Trabalho, FAP – Fator Acidentário Previdenciário e NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico, bastante bem explicados neste vídeo: http://cbic.org.br/construindosegurancaesaude/apresentacao, da CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Não entraremos no mérito da justiça ou correção teórica da aplicação do NTEP ou do cálculo do FAP. Ambos estão respectivamente bem definidos na Lei 11.430 de 26/12/2006 e na Resolução MPS/CNPS No. 1316 de 31/05/2010 e são juridicamente válidos e ferozmente promovidos pelos órgãos governamentais responsáveis. Uma boa explicação sobre o embasamento do FAP, feita por Luiz Eduardo Alcântara de Melo, Coordenador-Geral de Política de Seguro Contra Acidentes do Trabalho e Relacionamento Interinstitucional da Previdência Social, pode ser encontrada aqui.
Neste artigo serão abordadas maneiras de calcular custos reais e efetivos de acidentes, ou seja, tudo aquilo que foi efetivamente gasto em função de um acidente.
Origem dos custos
As diversas fontes de custos dos incidentes e acidentes podem impactar no cálculo de três formas possíveis:
– Por Evento: valores exclusivamente gastos em função de um acidente específico, tais como hospitalização de funcionário, reparo em equipamentos, pagamento de multas, etc.
– Por Tempo dos funcionários envolvidos: Nesta categoria devem ser enquadrados os gastos extras com reuniões de investigação de acidentes, palestras de segurança, etc.
– Por Tempo de parada de processo ou maquinário: Aqui devem ser contabilizados os custos de parada de processo, levando em consideração os mesmos valores usados pelos departamentos financeiros na construção do custo dos produtos ou serviços ofertados pelas empresas.
De forma genérica, estes custos podem ser agrupados conforme a tabela não-exaustiva abaixo:
Aplicação |
Critério |
Explicação |
Custo-Hora do Processo |
Parada do Processo |
Custos relacionados a processos específicos parados em função do evento (baseado em custo horário) |
Por Evento |
Serviços de Consultoria |
Custo de empresas de consultoria contratadas para prestar suporte à investigação ou melhorias necessárias em função do evento, incluindo custos com deslocamento e estadia |
Resgate de Emergência |
Custo do resgate por ambulância e/ou transporte aeromédico |
|
Multas do Cliente |
Multas aplicadas pelo cliente em função do acidente |
|
Multas do Governo |
Multas aplicadas pelo governo em função do acidente |
|
Reparos em Máquinas e Equipamentos |
Soma de todos os custos incorridos para reparar quaisquer máquinas/equipamentos/ferramentas danificadas em função do evento |
|
Reparos Gerais (obras civis, decoração, …) |
Soma de todos os custos incorridos em reparos de pisos, paredes, pinturas, etc. |
|
Hospitalização |
Custo de diárias hospitalares, medicamentos e cirurgias – não cobertos pelo plano de saúde |
|
Substituição de Máquina ou Equipamento |
Soma de todos os custos incorridos para substituir máquinas/equipamentos/ferramentas danificados em função do acidente |
|
Medicamentos |
Custos de tratamento médico fornecido em função do acidente – não coberto pelo plano de saúde |
|
Reposição de Matéria Prima |
Custo de matéria-prima extra para reposição do que foi perdido em função do acidente |
|
Remoção de Resíduos |
Custos de remoção e descarte de resíduos gerados em função do acidente |
|
Tempo X Quantidade X Custo-Hora |
Reuniões de Investigação (funcionários operacionais) |
Tempo investido na investigação (pessoas X custo-hora) por funcionários de chão de fábrica |
Retrabalho (administração/engenharia) |
Trabalho administrativo requerido para reprojetar/replanejar quaisquer peças ou serviços prejudicados em função do evento |
|
Retrabalho (Serviço de Campo) |
Trabalho em campo requerido para reparar quaisquer peças ou serviços prejudicados em função do evento |
|
Retrabalho (fábrica) |
Trabalho de fábrica requerido para reparar quaisquer peças ou serviços prejudicados em função do evento |
|
Reuniões de Investigação |
Tempo investido na investigação (pessoas X custo-hora) por funcionários administrativos |
|
Reuniões de Investigação |
Tempo investido na investigação (pessoas X custo-hora) por funcionários de serviço de campo |
|
Parada de Fábrica |
Custo dos funcionários operacionais parados em função do acidente para assistir palestras, etc. |
|
Parada Administrativa |
Custo dos funcionários administrativos parados em função do acidente para assistir palestras, etc. |
|
Parada do Serviço de Campo |
Custo dos funcionários de serviço de campo parados em função do acidente para assistir palestras, etc. |
Como fazer o cálculo
Após coletar todos os dados deve ser feita a somatória de todos os tipos de custos.
O cálculo será tão mais preciso quanto mais riqueza de dados tiver. Especial atenção deve ser dedicada aos custos que envolvem custos horários de funcionários, pois estes podem variar conforme o nível hierárquico dos mesmos, por exemplo.
Uma maneira de garantir a precisão dos cálculos é envolver pessoas da área financeira, explicando este modelo de “precificação” e usando planilhas padronizadas para compilar os dados.
Exemplo
Imagine um incidente ambiental onde uma máquina extrusora de plástico “entope” e queima o seu motor principal. O conserto da máquina demora 5 dias e é necessário adquirir peças novas no valor de R$ 15000. A investigação revela que a máquina havia sido abastecida com uma bague de matéria-prima plástica que continha uma chave de boca perdida no meio dos grãos plásticos. Os filtros haviam sido removidos e não colocados de volta. 550 quilos de matéria-prima foram danificados no processo e não puderam ser danificados. Foi gerado também um grande vazamento de óleo hidráulico que não foi contido adequadamente e acabou contaminando o solo permeável em volta do equipamento, que teve que ser retirado, destinado como resíduo e reconstruído após.
Este foi considerado um incidente sério e por isto foi reunida uma equipe composta por técnicos de campo, engenheiros e pessoal administrativo conhecedor do processo para a investigação.
Planilha de Cálculo
De forma bastante aproximada, é possível estimar os custos deste incidente através do uso da planilha abaixo:
Custos |
Qtde Funcionários |
Tempo (horas) |
Custo HH |
Custo |
|||||
em |
Atividade |
Precificação |
Explicação |
Evento |
Maquinário (por hora) |
||||
1 |
Estudos de engenharia para embasar investigação |
Tempo X Quantidade X Custo-Hora |
2 engenheiros por 8 horas |
2 |
8 |
R$ 170,00 |
R$ 2.720,00 |
||
2 |
Reunião de Investigação (engenharia/adm) + estudos |
Tempo X Quantidade X Custo-Hora |
4 engenheiros por 2 horas |
4 |
2 |
R$ 170,00 |
R$ 1.360,00 |
||
3 |
Reunião de Investigação (time de campo) |
Tempo X Quantidade X Custo-Hora |
3 funcionários por 2 horas |
3 |
2 |
R$ 102,50 |
R$ 615,00 |
||
4 |
Hotel para time de campo |
Evento |
3 diárias de hotel |
R$ 600,00 |
R$ 600,00 |
||||
5 |
Passagens aéreas time de campo |
Evento |
3 passagens ida e volta São Paulo/Rio |
R$ 1.800,00 |
R$ 1.800,00 |
||||
6 |
Remoção de Resíduos |
Evento |
Remoção de 4 toneladas de resíduo contaminado |
R$ 40.000,00 |
R$ 40.000,00 |
||||
7 |
Reunião geral com funcionários do chão de fábrica |
Tempo X Quantidade X Custo-Hora |
50 funcionários reunidos por 1 hora |
50 |
1 |
R$ 76,00 |
R$ 3.800,00 |
||
8 |
Revisão de procedimentos |
Tempo X Quantidade X Custo-Hora |
1 engenheiros por 8 horas |
1 |
8 |
R$ 170,00 |
R$ 1.360,00 |
||
9 |
Parada de processo |
Custo-Hora do Processo |
Máquina Extrusora parada por 5 dias. Esta máquina trabalha 16 horas por dia |
R$ 500,00 |
80 |
R$ 40.000,00 |
|||
10 |
Remoção do Piso |
Evento |
Conforme orçamento |
R$ 2.000,00 |
R$ 2.000,00 |
||||
11 |
Reconstrução do Piso |
Evento |
Conforme orçamento |
R$ 7.000,00 |
R$ 7.000,00 |
||||
12 |
Substituição de peças |
Evento |
Conforme orçamento |
R$ 15.000,00 |
R$ 15.000,00 |
||||
R$ 116.255,00 |
Conforme demonstra a planilha, um incidente de cunho ambiental aparentemente “simples” pode gerar um custo não planejado de mais de R$ 100.000 para a empresa!
Certamente este montante poderia ter sido melhor investido em medidas preventivas.
Conclusão
A metodologia de cálculo apresentada é reativa. Sua aplicação restringe-se a quantificação de acidentes e incidentes após a sua ocorrência e o seu grande mérito é fazer os cálculos de forma padronizada.
Coletando-se os custos de incidentes e acidentes, fica bem mais fácil justificar melhorias e investimentos.
Um uso alternativo desta metodologia pode ser aplicá-la a cenários de potenciais acidentes. Assim, os custos envolvidos podem ser conhecidos previamente e ajudar a embasar importantes decisões de negócios.
Em alguns casos, estes cálculos podem servir para embasar ações judiciais de recuperação de custos quando os danos são causados por terceiros, por exemplo.
Finalizando, todo bom profissional de SMS deve ter a capacidade de falar em valores de igual para igual com as outras funções dentro de uma empresa. Não saber fazer e apresentar estes cálculos depõe contra o profissional e o relega a um perpétuo segundo plano em relação às outras funções (qualidade, produção, engenharia, etc.) pois este “não fala o idioma dos negócios – $$$” e jamais será compreendido de forma definitiva. Será, no máximo, tratado com alguma condescendência.